sábado, 28 de agosto de 2010

Na alameda

Caminhávamos por uma noite de sábado, e um senhor bem velhinho exibia sua vitalidade. Seus passos trôpegos de bêbado. Suas roupas de elegância inglesa - para um rapazote do século passado, suspensórios e tudo. E a indefectível boina.
Ele pára, e com olhos educados, fita meu rosto enquanto avançamos. E discreto, meu busto. Não quer mais dançar a valsa dos ébrios em minha frente: gentil, olha minha mão enlaçada com a do meu namorado e - com fingida austeridade - proclama, indicador ao largo:
_ Isso vai dar casamento!

Presságio

Um casal bebe sakê frio,
em porcelana preta.
A noite está ruidosa.
É certo o fim do inverno.

O coelho de Dürer

Dürer pintou um coelho. Não há quem escape dessa imagem do coelho, ou lebre - que por ser tão caça, nos prendeu à devoção de uma aquarela perfeita. Tal qual o cordeiro de sacrifício dos judeus, que é vítima mas é senhor onipresente e onipotente. Dürer fez seu auto-retrato, com uma tal cara de Jesus, que achei de rir desbragadamente. Quando notei sua mão sobre o peito, vi que ele portava uma pele sobre o manto. Era Jesus, ou João Batista a quem ele se comparava?
Vi onde mais pude encontrar, textos que diziam do Império Otomano, e de quão pobres os judeus deviam por lá se trajar; mencionava o seu uso de forro de coelho, em uma espécie de manta ou casaco. A coisa da pele animal, crua, pouco elaborada, iniciática, como em João Batista - em oposição ao tecido de origem vegetal, fino e trabalhado por mãos humanas. A pele do bicho: Abel, e a veste fina de plantas, Caim. Se bem que Jesus trajava linho, mas enfim, vá questionar!
...
Oras, pensei então: o safado do Dürer fez um pouco como o Pequeno Príncipe, que tampouco escapa das mitologias da cristandade: ele, pois sim!, desenhou o coelho... para depois vestí-lo.
...
Queria ver ele se trajar de rinoceronte, ah, queria. Essa, ele deixou pro rei.

sábado, 21 de agosto de 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Despensa

Hoje é sexta.
Olhem minha despensa
Verão fartura.
O frio não poderá
Se alimentar de nós.




Regras do jogo

...Leitores queridos,

Sou-lhes muitíssimo grata pela atenção, e mais ainda pelos comentários. Recebi um e-mail com uma dúvida/crítica que é deveras justa: conheço a métrica (aristrocrática) japonesa, tanto que cito o Man'Yoshu numa das postagens....É, sim, um excelente exercício se limitar às 31 sílabas - em nosso idioma, claro - se não me atento à elas é por não desejar ainda.

Logo, não reclamo dos puristas da forma: aprendi a amar o 5/7/5/7/7, e suas variações, e aconselho a leitura de nossos poetas de hai-kai, tenkas, shichi gosho e rengas, p.ex. Goulart Gomes, baiano como eu...

Abraços a todos!

Chá de inverno

Para G.
A água ferve devagar.
No bule do chá,
céu de puro cinza-luz
tinge a dança das folhas.


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sons do frio

Seu corpo me dá calor
Em plena chuva de inverno.
A torrente lá fora parece apenas
a sinfonia das cortinas.

Papel

A resma está intacta em sua embalagem.
Não sei se devo abri-la agora;
É tarde, e certas coisas
são difíceis de parar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Camurça argenta

Pele de porco macia e brilhante,
de entranhas purificada:
sê cama para meu amado distante
e diminui sua estrada...