quinta-feira, 7 de junho de 2012

Arte e covardia

Nas escolhas da vida, a alma ganha memórias. Fica mais densa, pedindo mais tempo; ganha amplidão, necessitando espaço: carrega mais pessoas. Lugares. Sentimentos. Certezas e dúvidas.
Tudo em diferentes formas de memória - a alma, então, se enche de tempos e de espaços, de coisas.
Precisará, em algum momento, escolher se vai guardar (todas as memórias, como em um museu) ou vai escolher algumas de quando em quando para colocar pra fora.

Como colocá-las pra fora? É nesse momento que a alma descobre, às vezes, a arte.

Mas é sempre, ou quase sempre, tarde demais.
Quase sempre, porque ninguém gosta de ser esquecido. Todos querem ser peça importante do museu de alguém. E a alma já não consegue deixar de administrar o museu, as peças, os visitantes.

E pouco a pouco a alma que descobriu a arte, secretamente, deseja um grande incêndio: capaz de queimar todos os quadros, derreter todos os bustos de bronze, as tapeçarias, mobílias, tomos e indumentárias, que esfacele e trinque e consuma todas as esculturas, que tudo no seu museu vire apenas carvão frio, e daí pó, e enfim longínqua poeira que sai levada pelo vento.

Mas ainda assim, algo restaria intacto: o extintor de incêndio.

O extintor existe pra lembrar que tudo vai ficar como está. Ou seria justamente para instigar o desejo da alma de atear fogo em tudo? (Um verdadeiro mistério a existência do extintor. A alma não se lembra como, ou quando, ou porquê o extintor passou a fazer parte do museu.)

A alma aprende -  por causa do extintor - que toda forma de arte por ela realizada nascerá de um incêndio, indelével e inevitável.

A alma aprende também que o extintor é a mais pura tradução da covardia.











Do Silêncio


O silêncio é o ouro dos tolos. O poema “No caminho, com Maiakovski” me ensinou isso. Ouvi-o de uma pessoa que gostaria de ter aprendido a não se calar - e principalmente, a falar no momento certo e com as palavras a seu favor: uma pessoa desensinada na inteligência da malícia.
Uma lástima nada incomum.

O silêncio - alheio - esse sim, é de ouro. É conquistada condescendência, permissão, espaço, poder.
Conveniências.
O nosso silêncio é nossa submissão e nossa tragédia.
Inevitável barulho interno, desconfissão, encobrimento, omissão.
Ressentimentos.
Dizem que é sempre ouro, mas saiba, é ouro alheio quando você silencia. Não é ouro que você ganhe.
Ninguém se cala por nós, para nós. Só os deuses intangíveis se calam por nós.

E é isso o mais doce na santidade que se adora, o silêncio que não é o nosso.
Podemos nos ouvir, e ainda somos agraciados com o silêncio da divindade.

Porisso acredita-se em divindades mudas: porque quem cala, consente.
A santidade sempre consente. Sempre concede.

Ao menos, os deuses nos salvam de nosso silêncio. E acreditamos que seremos ouvidos. Absolutamente.

E  assim seguimos, imaginando que o fardo que sentimos pesar, é puro e pleno ouro... E no entanto, seguimos nos calando, para o ouro de outrem. E quando não silenciamos nossa honestidade, o fazemos apenas com os que não respondem, se é que ouvem.

Não é de ouro o silêncio. Nem de prata, nem de bronze.

O silêncio é de puro chumbo.